Mixtape do vosso escriba indulgente. Espero que apreciem.
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quarta-feira, dezembro 26, 2007
Classe de Mérito 2007
À medida que se aproxima o final do ano, um fenómeno, tão certo como o aquecimento global, acontece. Falo pois, não da liderança portista no campeonato ou do portento que são os espectáculos do CICBAS, mas sim das típicas listas dos “Melhores do Ano”. Cedi à tentação de fazer uma também (muito difícil resistir à oportunidade de divulgar os nossos gostos a terceiros), mais concretamente uma lista subordinada ao tema dos melhores pedaços de música lançados e relançados durante o presente ano. Tomei a liberdade de incluir algumas descobertas de álbuns de anos anteriores – espero que o leitor me perdoe a indulgência, mas nunca me agradou a limitação destas listas ao ano em questão. É necessariamente uma lista pessoal, com tudo o que isso envolve. Sem mais demoras (e por ordem de chegada à minha mente quando a comecei a elaborar) eis a Classe de Mérito 2007:
In Rainbows – Radiohead
Sound of Silver – LCD Soundsystem
From Here We Go Sublime – The Field
Neon Bible – Arcade Fire
Ga Ga Ga Ga Ga – Spoon (menção honrosa para título mais estupidamente original do ano)
Night Falls Over Kortedala – Jens Lekman
The Magic Position – Patrick Wolf
Boxer – The National
Wincing The Night Away – The Shins
The Sheppard’s Dog – Iron & Wine
The Stage Names – Okkervil River
Person Pitch – Panda Bear
Strawberry Jam – Animal Collective
Hissing Fauna, Are You The Destroyer?/ Icons, Abstract Thee EP – Of Montreal
Comicopera – Robert Wyatt
Untrue – Burial
The Good, The Bad and The Queen - The Good, The Bad and The Queen
Proof of Youth – The Go! Team
Graduation – Kanye West
Kala – M.I.A.
Emerald City – John Vanderslice
Wild Mountain Nation – Blitzen Trapper
The Bird Of Music – Au Revoir Simone
Release The Stars – Rufus Wainwright
The Great Unwanted – Lucky Soul
American Gangster – Jay-Z
Woke On A Whale Heart - Bill Callahan
23 – Blonde Redhead
Les Piqûres d’Araignée – Vincent Delerm
God Save The Clientele – The Clientele
Cryptograms/Fluorescent Grey EP – Deerhunter
Songs III: Bird On The Water – Marissa Nadler
Songs of Leonard Cohen/ Songs From a Room/ Songs of Love and Hate – Leonard Cohen
Fourteen Autumns and Fifteen Winters – The Twilight Sad
Unknown Pleasures/ Closer/ Still – Joy Division
Andorra – Caribou
Favourite Worst Nightmare – Arctic Monkeys
Fur and Gold – Bat For Lashes
Betty Davis/ They Say I’m Different – Betty Davis
Are the Dark Horse – The Besnard Lakes
Live at Massey Hall – Neil Young
Colossal Youth – Young Marble Giants
New Chance – The Though Alliance
Let’s Stay Friends – Les Savy Fav
New Moon – Elliott Smith
And Their Refinement of the Decline – Stars Of The Lid
Fuzzy – Grant-Lee Buffalo
Disco Romance – Sally Shapiro
Rushmore – Rushmore Soundtrack
From Langley Park to Memphis – Prefab Sprout
I Want You – Marvin Gaye
Ramones – The Ramones
#1 Record/ Radio City – Big Star
Alive 2007 – Daft Punk
Lazer Guided Melodies – Spiritualized
Mercury/ Engine/ Everclear/ California – American Music Club
West/ The Invisible Man – Mark Eitzel
Among my Swan/ So Tonight That I Might See – Mazzy Star
Spring Hill Fair – The Go-Betweens
Bowl of Fire/ Thrills Swimming/ Weather Systems – Andrew Bird
Calenture/ Born Sandy Devotional – The Triffids
The Psychedelic Sounds of/ The Bull of the Woods – 13º Floor Elevators
Thoughts for Food/ The Lemon of Pink – The Books
Hoje Há Conquilhas, Amanhã Não Sabemos – Banda do Casaco
Bitches Brew – Miles Davis
Stax 50th Anniversary Collection – Vários Artistas
Robert Johnson’s Complete Recordings – Robert Johnson
Rufus Does Judy at Carnegie Hall – Rufus Wainwright
Retrospective – Red House Painters
Judy at Carnegie Hall – Judy Garland
For Emma, Forever Ago – Bon Iver
Aman Iman – Tinariwen
All Hour Cymbals – Yeasayer
Lon Gisland EP – Beirut
Friend EP – Grizzly Bear
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terça-feira, novembro 13, 2007
What’s Goin’ On – Marvin Gaye
Marvin Gaye foi o rei da soul, ponto final. Muitos candidatos houveram para o trono, mas poucos conseguiram gravar uma obra prima tão perfeita, tão influente, tão bigger than life que foi (e é) What’s Goin’ On e uma carreira tão regular, sempre em nível altíssimo, como Marvin Gaye. Mas desses poucos, só ele aliava o carisma, a indiscutível capacidade como entertainer, à coragem de revolucionar a sua sonoridade a cada álbum. Todas essas qualidades tiveram o seu ponto máximo em What’s Goin’ On.
Marvin Gaye sempre foi um homem dividido entre Deus e o sexo, mas que considerava essas duas vertentes, à partida tão irreconciliáveis, longe de mutualmente exclusivas. Daí ter conseguido conceber um álbum nascido das ondas de choque despoletadas pela guerra do Vietnmae, impregnado de referências religiosas, denúncia social e mensagens de paz e de amor como What’s Goin’ On e no disco seguinte ter gravado um monumento de sensualidade e sexualidade à flor da pele (sem cair nunca na vulgaridade. Afinal, Marvin Gaye era um gentleman.) como foi Let’s Get It On.
What’s Goin’ On revolucionou a música no início dos anos 70, despertando outros artistas como Stevie Wonder e Curtis Mayfield a darem um significado mais responsável à sua música e é do início ao fim um compêndio de como fazer canções perfeitas que assombram quem as ouve pela primeira vez, e preservam o efeito em audições seguintes, sejam passadas 5 minutos ou 5 décadas. É um disco que ficará gravado imaculadamente na História e continuará a arrebatar gerações futuras como no longínquo ano de 1971. Obrigatório.
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Sob o radar
Night Falls Over Koterdala – Jens Lekman
Segundo disco (se não contarmos com a colectânea de raridades You’re So Silent Jens) deste cantautor sueco incorrigivelmente romântico, letrista magnífico (em todos os discos encontram-se facilmente duas mãos cheias de versos fabulosos) e um incansável digger nas feiras de discos antigos e que sabe como ninguém reutilizar samples dessas músicas “chungas” circa Eurovisão de anos 70 a fim de refinar as suas próprias canções. Neste álbum essa técnica é especialmente evidente, com resultados simplesmente geniais em canções como a épica And I Remember Every Kiss e a estupidamente viciante Sipping On The Sweet Nectar. Jens tem também uma habilidade irrepreensível para escrever refrões que dão enorme gozo aos ouvintes – desfrute-se Shirin e Your Arms Around Me.
Jens Lekman afirma-se cada vez mais inequivocamente como um mestre da pop, já candidato ao panteão onde têm lugar cativo Stephen Merrit e os Orange Juice. Ouçam-no, sob pena de perderem um dos melhores discos do ano.
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Não o prometeram… mas fizeram-no outra vez
Em finais de Setembro, no seu site oficial, os Radiohead anunciavam que o novo álbum estava gravado, chamava-se In Rainbows e iria ser lançado no dia 10 de Outubro num site próprio. Assim, secamente, para os fâs que aguardavam ansiosamente novo disco da banda, o mesmo já era do domínio do concreto, resgatado de um mundo de suposições e hipóteses. Mesmo que a banda se encontre sem editora, a inexistente campanha de marketing para In Rainbows não deixava de surpreender, dado que os anteriores álbuns foram antecedidos por mediatismo e publicidade deveras eficazes (quem não se recorda dos pequenos “teasers” em forma de spots publicitários, com excertos de canções, com que fomos brindados na TV em vésperas de lançamento dessa obra prima absoluta do século XXI que é KID A?). Poder-se-ia pensar, e com razão, que esta opção discreta era uma forma de a banda prevenir a possível desilusão do público, baixando as expectativas. Mas ao sétimo álbum os Radiohead produziram outro álbum de excepção, ao nível de The Bends, OK Computer, KID A, Amnesiac e Hail to the Thief.
Para este disco optaram por uma modalidade de lançamento pouco ortodoxa e, que por isso mesmo, figura-se como um prenúncio do futuro: disponibilizaram o álbum em duas modalidades diferentes num site concebido especialmente para o efeito: o cliente poderia pré-encomendar a edição especial “física” do disco, constituída por dois CDs (incluindo um bónus), vinil e artwork exclusivo ou o tour de force desta campanha: o download do álbum, cujo preço é fixado pelo utilizador. Ou seja, tanto se poderia comprá-lo por 0 libras ou 1 milhão. Os Radiohead demonstraram sapiência em lidar com a conjectura contemporânea impregnada de pirataria e afins e, acto contínuo, conseguiram vender milhões de downloads por uma média de 4 libras. Uma aposta inequivocamente ganha pela banda.
Mas, interroga-se o leitor, e o disco propriamente dito? Após assentar a poeira mediátiaca, o que sobram são as canções. E que canções! In Rainbows é um álbum diferente de tudo que os Radiohead já antes gravaram, com novas sonoridades (apontamentos de R&B, por exemplo, na excelente faixa de abertura 15 Step). Notam-se as influências electrónicas já patentes no muito bom álbum a solo de Thom Yorke (The Eraser), notando-se a diferença de serem concebidas em banda (a guitarra de Johnny Greenwood e a secção rítmica constituída pelo baterista Phil Selway e o baixista Colin Greenwood continuam simplesmente imbatíveis). É um disco imaculadamente homogéneo e de qualidade irrepreensível, sem pontos altos óbvios, que cresce a cada audição (e acreditem que o ouvirão muitas vezes), à medida que novos pormenores são desvendados (e não serão assim os melhores álbuns? Que insidiosamente se alojam nos nossos centros de prazer, até nunca mais de lá saírem?).
Ao sétimo álbum os Radiohead comprovam novamente (se mais provas fossem necessárias) o quão genialmente fundamentais são. E, no âmbito da (curta) tournée já anunciada, esperemos que por cá passem…